Brasil ultrapassa 140 mil transplantes de córnea em dez anos e milhares ainda aguardam na fila
Tempo médio de espera chega a mais de um ano; especialista explica como a doação pode transformar vidas e por que a adesão da população é fundamental para ampliar o acesso à cirurgia

O transplante de córnea é um dos procedimentos oftalmológicos mais realizados no Brasil. Segundo o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO)[1], nos últimos dez anos, foram feitas mais de 146 mil cirurgias de córnea/esclera no país, cerca de 50 mil delas em São Paulo. No ano passado, mesmo com o tempo de espera médio estimado em 13,2 meses, foram realizados mais de 17 mil enxertos só de córnea, número que coloca os que mais fazem esse tipo de operação no mundo.
Apesar do avanço, a fila de espera ainda é longa e milhares de pessoas aguardam cirurgia, sobretudo devido ao desconhecimento sobre o processo, o que gera baixa adesão à doação pelas famílias. “Um único doador pode devolver a visão a duas pessoas. É um gesto simples, mas de impacto enorme na vida de quem espera”, explica a oftalmologista Claudia Francesconi Benicio, da Eye Clinic, centro oftalmológico da Rede Total Care.
A córnea é a estrutura transparente que recobre a parte frontal dos olhos, essencial para ver com nitidez. Quando sofre lesões, deformações ou perde a transparência, o transplante é uma das alternativas para recuperar a visão. As principais indicações para o procedimento incluem ceratocone em estágio avançado, distrofias hereditárias, úlceras resistentes a tratamento, infecções como herpes ocular e opacidades causadas por traumas ou cirurgias anteriores.
“Quando indicado, o transplante de córnea exige precisão cirúrgica e conhecimento profundo das estruturas oculares. A avaliação prévia é fundamental para garantir que o paciente seja um bom candidato à cirurgia”, ressalta a oftalmologista.
O procedimento dura em média uma hora e pode ser feito com anestesia local ou geral. Há duas abordagens: a penetrante, em que todas as camadas da córnea são substituídas, e a lamelar, que substitui somente as camadas afetadas. A escolha da técnica vai depender da condição clínica do paciente e da extensão do dano da visão.
O acompanhamento clínico após a cirurgia é decisivo para o sucesso do transplante. “O procedimento não termina na sala de cirurgia. O acompanhamento pós-operatório é essencial para garantir a adaptação do enxerto e preservar a visão ao longo do tempo. É nessa fase que conseguimos identificar precocemente sinais de rejeição, como vermelhidão, dor ou sensibilidade à luz, e orientar o paciente sobre os cuidados necessários para proteger a córnea transplantada, sendo o repouso, a utilização de medicamentos prescritos e consultas para acompanhamento”, reforça a médica.
Como funciona a doação
A doação de córnea tem características específicas em relação a outros órgãos. Não exige diagnóstico de morte encefálica, pode ser realizada até 12 horas após a parada cardiorrespiratória e não requer testes de compatibilidade entre doador e receptor. A autorização da família é o ponto decisivo. Um único doador pode beneficiar até duas pessoas com a restauração da visão, o que evidencia o impacto desse gesto de solidariedade.
Serviço: como declarar a vontade de ser doador
- Converse com a família e manifeste sua vontade em vida;
- Não há necessidade de registro em documento oficial: a autorização é feita pela família após o falecimento;
- Informações adicionais podem ser obtidas com as centrais estaduais de transplante e nos sites oficiais do Ministério da Saúde.